A PROLIFERAÇÃO DO "GOSTO GLOBAL" NO BRASIL

ilvia Aparecida Guarnieri Ortigoza*

Profa. do Depto. de Geografia - IGCE - UNESP - Rio Claro – SP

RESUMO:

Assiste-se cada vez mais à entrada de grandes redes de comércio integradas ao sistema de franquias no território brasileiro, o fast food tem se destacado pelo seu adiantado estágio de evolução no sentido de formatação e padronização das operações. O fast food é um sistema capaz de criar imagens e códigos decifráveis por grupos, sugerindo e encadeando comportamentos, provocando de certa forma uma homogeneização do gosto em nível mundial. O horário dedicado às refeições é escasso e o fast food entra nessa conjuntura de um "novo tempo" no urbano. Essas alterações nas relações de produção não se dão bruscamente, ao contrário, são reproduzidas através de inovações graduais e de maneira sutil, somente quando atingem um grau de amadurecimento é que essas mesmas relações permitem as mudanças. O fast food é um sistema de massa que atinge um mercado maior, passando por cima de costumes e tradições. O papel da mídia é muito importante nesse processo pois invade o cotidiano, num jogo de símbolos e signos, com significados pré-determinados. É pelo "lugar", que o "mundial" é empiricamente percebido. Nessa dinâmica, a homogeneização e a diferenciação ocorrem paralelamente.

Palavras-chave:

comércio, consumo, espaço urbano, fast food, sistema de franquia

ABSTRACT:

All over the Brazilian territory, one can see more and more the arrival of big commerce chains integrated to the franchising system, the fast food has stood out due to its advanced stage of evolution in what concerns the shaping and standardization of the operations. The fast food is a system capable of creating images and codes which are decodable by groups, suggesting and launching behaviors, leading in a certain way to a homogenization of taste at world level. The time dedicated to the meals is short and the fast food joins this conjuncture of a new era in the cities. These alterations in the relations of production do not take place abruptly; on the contrary, they are reproduced by means of gradual innovations and in a subtle way, allowing such changes to happen only when they reach a level of maturing. The fast food is a mass system, which encompasses a bigger market, disregarding customs and traditions. The role of the media is very important in such process since it invades the day by day, in a game of symbols and signs, with pre determined meanings. It is by the "place" that what is "worldwide" is empirically noticed. In this dynamic, homogenization and differentiation take place in parallel.

Keywords:

commerce, consumption, urban space, fast food, franchising

Este texto analisa o fast food, enquanto tendência do comércio varejista brasileiro, dando ênfase à capacidade de padronização de suas atividades estruturais, sua materialização no espaço, e à conseqüente homogeneização dos gostos.

A década de 1980 foi o período de crescimento e consolidação do sistema de franquias no Brasil, por isso, o mercado de fast food (em sua grande maioria integrado a esse sistema) ainda é pouco explorado, mas o interesse por parte dos novos investidores tem aumentado significativamente devido ao aumento de pessoas que fazem suas refeições fora de casa, principalmente nas grandes cidades. O Brasil é considerado um território com grande potencial de expansão para o fast food, afinal, pelas projeções, até o final do século metade da população brasileira que trabalha na área urbana estará fazendo refeições fora de casa. Isso significa um volume enorme de pessoas entrando em restaurantes, lanchonetes, fast food, e outras opções.

Segundo o discurso empresarial as principais vantagens do sistema de franquias são: "expansão, velocidade, popularização, rapidez, dinamismo, solidez, sucesso". Esse sistema pode propiciar ao detentor da "marca" uma maior velocidade espaço-tempo, isto é, num menor tempo ganham mais espaço (através da abertura de vários pontos de venda). Por tudo isso esse sistema vem apresentando elevado índice de crescimento e aceitabilidade pelas empresas, afinal, atualmente, a busca pela expansão (lucro rápido), torna-se prioritária, norteando todo o mundo dos negócios.

As telecomunicações são de fundamental importância nesse processo, pois articulam as redes de franquias, diminuindo as distâncias e promovendo uma nova regionalização do espaço, conforme o interesse empresarial, e somente algumas áreas são escolhidas para a implantação das lojas.

O atual modelo de reprodução do mundo capitalista tem nos levado a uma nova perspectiva do tempo e do espaço, governada pelo tempo produtivista. Os objetos são reduzidos a signos, criando modelos para manipular pessoas e consciências e o tempo também passa a ser severamente gerenciado. Acreditamos que, com o avanço desse processo, as velhas funções das cidades ficarão ainda mais subordinadas e serão sistematicamente redefinidas. Ao percorrermos esse caminho de análise, entendemos que a normatização dos gostos passa a ser fundamental, para que esse modelo de produção continue a se reproduzir. No fast food a produção e a troca, o administrável e o tecnológico passam a fazer parte de um mesmo processo; essas transformações no processo produtivo conduzem o mercado, o gosto, a necessidade e passam a requerer um novo tempo e um novo espaço.

Fica claro que todas as mudanças ocorridas no âmbito da produção e consumo acabaram reprogramando o cotidiano de algumas pessoas, em alguns lugares, e muitos outros fatores acabaram auxiliando para que ele se desse desta forma.

A distância-tempo necessária para se ir e vir da casa ao trabalho tem aumentado, principalmente nas grandes metrópoles, o que leva algumas pessoas a se adaptarem ao que o ambiente próximo lhes oferece. Neste sentido, as lanchonetes de serviço rápido vêm sanar tais dificuldades, oferecendo lanches e refeições rápidas, serviço eficiente e menor preço. Entretanto, no que concerne à qualidade do "produto comida", é no mínimo questionável, pois trata-se de uma alimentação incompleta, totalmente industrializada, à base de conservantes, com muita energia, calorias e pouca vitamina. Se pesarmos estas, entre outras variáveis, veremos que não é uma alimentação saudável, para que seja utilizada diariamente. Porém, a qualidade nem sempre é levada em consideração pelas pessoas que, normalmente, não oferecem resistência ao comer formatado. Esse novo estilo de comer passa a ser uma opção imposta pelo próprio modo de vida, pela sua adequação e comodidade. Isto se torna evidente se observarmos o cotidiano dos metropolitanos: eles realmente aderiram a esse novo estilo de comer.

O fast food carrega consigo, além de uma "marca" forte, um "produto" que tem um "uso" pré-determinado: ele vem pronto e acabado, é igual em todos os pontos de vendas e, no local em que se instala, ele dita as regras: quem vai consumir, como vai consumir, como vai manipulá-lo, etc..

Tomando o fast food como exemplo dessa determinação percebe-se que quando as primeiras redes americanas começaram a vender seus lanches do tipo hambúrguer no Brasil, uma espécie de "americanismo" surgiu no país. Isto vai de encontro ao pensamento de (LEFÈBVRE, 1991, p.32), quando diz que na França: "Um certo americanismo se introduzia, não tanto pela ideologia, como pelo cotidiano."

Essas empresas, que num primeiro momento foram as americanas e, posteriormente passaram a ser originárias de diversos países, elaboraram um "ritual" formatado e aos consumidores cabia apenas segui-lo: a expansão do McDonald’s é um exemplo claro dessa formatação.

Embora isso se mantenha até hoje, muitas coisas mudaram e esse processo se intensificou: comer em fast food é um "novo hábito" do brasileiro, principalmente os que residem nas grandes cidades. O ritmo de vida imposto, nessas cidades, é veloz, e isso faz com que as pessoas necessitem de serviços rápidos e o fast food entra nessa conjuntura de um novo tempo no urbano. Ele aparece também em outras cidades (mesmo quando não é necessário), como signo da participação no mundo global, moderno, onde a velocidade está presente.

O fast food, nas metrópoles, faz parte do "cotidiano", nas cidades menores ele representa a "festa". De um modo ou de outro, ele exerce seu fascínio, pois enquanto uns vêem nessa "forma de comer" uma necessidade, outros encontram nela prazer, realização, lazer.

LEFÈBVRE (1991) coloca em evidência a degenerescência simultânea do "Estilo" e da "Festa" na sociedade, onde o cotidiano se estabeleceu. Segundo esse Autor, o Estilo se degrada em cultura cotidiana (de massa) e é arrastado para a fragmentação e decomposição. A Festa não desaparece totalmente, são agradáveis miniaturas do que já foram.

A expansão do fast food no Brasil foi uma conquista gradual e totalmente importada. Entretanto, essa "americanização" ou "gosto global" não se deu somente no Brasil, espalhou-se pelo mundo.

Atualmente, com o avanço do processo de globalização, exigindo mobilidade e descentralização, a centralidade ganha um novo sentido. Entretanto, no que concerne ao fast food, os EUA continuam a ser o "centro", pois é a partir de lá que se irradiou esse fenômeno, capaz de normatizar os hábitos de consumo alimentar no mundo.

Antes da implementação do sistema de alimentação/fast food, o momento da refeição e todo o seu ritual tinham outro significado. A partir de sua disseminação, o fast food impôs seu ritmo ao tempo e ao espaço dedicados à alimentação, que passaram a entrar em sintonia com as novas exigências da sociedade. A padronização tornou-se condição para a crescente aceleração do movimento dentro das cidades e nossa paisagem foi modificada, pois os produtos mundializados, com seus símbolos e "marcas" ocuparam o espaço nacional, tornando-o mundial.

O setor de alimentação fast food passou a caracterizar a modernidade, pois o ato de comer ganhou, a partir dele, funcionalidade e mobilidade, não se identificando mais com o território, mas se adaptando às circunstâncias que a mundialidade impõe.

Hoje, não é mais possível identificar a origem das empresas pelos produtos que ela oferece. É a mundialização das mercadorias. O que tem a ver, por exemplo, a Pizza Hut com a Itália?

As empresas nacionais de fast food também não se importam mais com os antigos costumes alimentares nacionais, não há mais oposição nacional - internacional no setor dos alimentos, eles se misturam, formando um todo mundial.

Embora muitas empresas não delimitem rigorosamente seu público alvo, elas o seleciona pela sua própria imagem. A sociedade atual se divide em grupos, que se revelam verdadeiras "tribos". Esses grupos se formam, tendo um elo de ligação forte, uma espécie de identidade entre os indivíduos que os compõem, seja pela idade, sexo ou preferências materiais, morais e sociais. Isto acaba criando, nos lugares, ambientes diferenciados e identificados por grupos.

Os teens, atualmente, formam um enorme grupo mundial, que são alimentados pelas informações trazidas pela TV e pela Internet, e com isso, estão cada vez mais parecidos. Apesar de existirem diferenças culturais entre alguns países, os adolescentes ao redor do mundo formam hoje a primeira geração com a mesma cabeça, um exército vestido com as mesmas marcas de jeans e camiseta, que consome os mesmos refrigerantes, fast food e aparelhos eletrônicos. Para essa geração os alimentos industrializados estão sistematicamente presentes, pois as propagandas, através da TV, foram criando novos hábitos de consumo. Nesse sentido, freqüentar um fast food significa freqüentar um lugar que, sem ser central, tem uma conotação de centro. Através do fast food o "americano" pode estar virtualmente em qualquer lugar. Os EUA, através desse "comer formatado", impuseram e impõem toda a sua ideologia, seus valores e condutas. O fast food é um produto que traz com ele um modo de vida normatizado e, desse modo, mexe com o imaginário das pessoas, fazendo-as se sentirem no centro do mundo. BAUDRILLARD (1986), em seu livro América, trabalha muito bem com essa hiper-realidade que os produtos americanos são capazes de criar. Acreditamos que o fast food é mais um desses "produtos".

Esse sistema é homogeneizante, mas inclui diferenças de estratos sociais e culturais. Há uma preocupação no mercado de alimentação em agradar as pessoas, que de alguma forma resistem aos costumes locais ou mundiais: é o mercado dos migrantes. Para satisfazer esse "público", tem ocorrido a criação sistemática de fast food chinês, japonês e outros, com opções mais regionalizadas e menos mundializadas; mesmo assim, se mantém, e é preciso reafirmar o espírito "americano" do fast food.

Atualmente, o Brasil tem despertado um grande interesse nos franqueadores estrangeiros do segmento fast food, principalmente os norte-americanos. Embora nosso país tenha mais da metade de sua população classificada como miserável e pobre, as outras pessoas que não se enquadram nessa massa de pobreza significam muitos consumidores ativos, que poderão ser conquistados pelas empresas comerciais. Outro fator que colabora para que este interesse se dê é o "charme" criado pela mídia mundial, despertando a preferência pelas franquias internacionais junto ao consumidor brasileiro. Esse "gosto global" faz com que muitos investidores nacionais se interessem por franquias estrangeiras. Nos logotipos também constatamos que, mesmo as empresas sendo nacionais, existe uma forte tendência em se "vestirem" de internacionais para conquistarem o mercado interno. Entretanto, isso não ocorre só no Brasil; hoje assiste-se a uma mundialização da cultura, já que o consumidor deixa de ser nacional e torna-se mundial. Ao consumir um produto importado, é como se o consumidor trouxesse para junto de si um complexo de valores e de comportamentos que refletem a visão daqueles que o produziram.

A globalização dos gostos favorece significativamente esse sistema já que o global se faz presente em todas as suas fases de desenvolvimento. Ele próprio é um sistema importado, melhor, tem origem num centro - os EUA, e isto também encerra um significado, como já foi dito anteriormente.

Assiste-se atualmente a uma intensificação das relações sociais em escala global. A tecnologia propicia novas relações espaço-tempo, o local e o global se confundem, inibindo o nacional, e fica-nos cada vez mais difícil identificá-los. No fast food essas relações mundiais são nítidas, já que a homogeneização dos gostos está sendo concretizada a largos passos e as ligações íntimas com o nacional estão sendo abolidas.

Mesmo tendo nos referido, a todo momento, à globalização dos gostos, gostaríamos de complementar dizendo que a globalização se realiza também através da diferenciação, pois a globalização é, ao mesmo tempo, a fragmentação, a padronização e a diferença; o local e o global não se contrapõem, pelo contrário, são faces de um mesmo processo.

A estratégia tecnológica é de grande peso no fast food, pois é nela que se concentra a capacidade de desenvolverem novos produtos e serviços de modo contínuo, aperfeiçoando os procedimentos. Ela é a própria garantia para que a empresa se torne competitiva, pois o sucesso dessa estratégia prevê o sucesso da própria empresa, sendo ela que instrumentaliza todas as demais. Nesse sentido é que a generalizada aplicação da gerência científica propicia a revolução técnica, não só na indústria como no comércio. As transformações geradas pelo gerenciamento são fundamentais para a estruturação, funcionamento e controle das redes de franquias.

As empresas de fast food tem grande capacidade de gerar o novo, isso é um processo inerente ao capitalismo, e é desse modo que a escolha do sujeito, vai se esvaziando: o que existe é uma criação industrial da necessidade.

A gerência científica, planejada e articulada, penetra nesse sistema e a manipulação e a padronização do gosto passam a ser as expressões dessa dinâmica. Tal gerenciamento reduz o caráter autônomo da demanda, e é nesse sentido que a busca do controle do mercado pelas empresas faz com que, não só os consumidores sejam induzidos, como também o próprio território se torne dominado. A partir do sistema de franquias, a produção planejada passa a estar presente como nunca nas formas urbanas, através da padronização das fachadas. Com essa formatação das redes desenvolvem-se condições materiais capazes de permitir que a racionalidade da mercadoria, através do produto-marca, se estabeleça e o valor de troca sobressaia.

A mão-de-obra no fast food é especializada, porém, é o treinamento e o formato do negócio que a torna assim, o funcionário é "moldado" segundo as características e objetivos da empresa. Nesse sentido, aproveita-se geralmente a mão-de-obra local (da cidade onde se localiza a loja), locomovendo-a para outra unidade em funcionamento, durante um período de estágio, para que não se perca a "identidade" no serviço oferecido.

Pelo peso da padronização, os funcionários das lojas devem abandonar sua subjetividade, pois tudo lhes é imposto: cada gesto e cada minuto seguem um padrão, toda operação de trabalho é de antemão, concebida pela gerência, projetada, medida, ajustada com adestramento e padrões de desempenho. Os resultados são pré-calculados antes que o sistema seja posto em movimento, e cada trabalhador, assim, como as máquinas, é um dos seus membros e por isso precisam ser bem controlados. O trabalho se torna rico em mesmice e pobre em criatividade. O homem, enquanto máquina? Isso não nos parece um retrocesso? O fast food é fordista? Esse dinamismo na produção e na comercialização, não é tão difícil de se concretizar, como pode parecer, pois a própria liberdade de escolha dos consumidores é limitada através do mix de produtos oferecidos.

As redes de fast food, através desse sistema operacional rígido altamente disciplinado, vêm assegurando o padrão de qualidade em todos os pontos de venda. Os equipamentos são sob medida, para agilizar o serviço de fast food. O cardápio é limitado, as técnicas de produção são refinadas, divididas em procedimentos detalhados, com o objetivo de poupar tempo. A máquina substitui o principal obstáculo ao serviço "idêntico" do fast food - o elemento humano. Afinal, acabaram descobrindo como atender à principal característica do fast food: a velocidade.

Esse ritmo combina muito bem com a sociedade atual e com as necessidades que lhe são impostas pelo modo de produção. A cozinha deixa de ser considerada uma arte pessoal e se especializa, tornando-se industrial e comercial, perdendo a criatividade e a identidade. Com todo esse formato moderno, o fast food torna-se um lugar impessoal, um lugar sem memória. Um não-lugar? Segundo AUGÉ (1994, p.73), a supermodernidade é produtora de não-lugares e "Se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que não pode se definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico definirá um não-lugar."

Essa teoria abre novas perspectivas de discussão e parece-nos bastante oportuna para o que estamos pensando no momento sobre o fast food: um espaço que é símbolo da supermodernidade.

O ponto comercial, em muitos casos, não se restringe à atividade comercial pois passa a ser também um empreendimento imobiliário. É aí que a localização ganha ainda mais importância, pois é uma estratégia que propicia valor, gerando o lucro. As empresas dominam o ponto, as normas de funcionamento, a produção e a "marca", ficando a autonomia do franqueado praticamente nula. Com tal controle de padronização comercial, essa empresa alcança o verdadeiro processo de racionalização produtiva do espaço.

No momento, convém considerar o nível de amadurecimento comercial de algumas empresas, levando-se em conta sobretudo sua história, - desde a implantação até a mundialização de sua marca. Pensando assim, desenvolvemos em nossa pesquisa, alguns estudos de casos (através de entrevistas em empresas de fast food instaladas no Brasil), onde analisamos, entre outras coisas, as estratégias territoriais.

Devido às dimensões territoriais do Brasil, essa estratégia ganha importância, pois bem administrada ela é capaz de propiciar maior cobertura geográfica, através da contínua exploração de novos territórios, agregando novos pontos de vendas, significando uma maior velocidade na expansão da rede de distribuição. Existe uma grande preocupação quanto à seletividade dos diversos pontos geográficos, passando pela escolha do país, estado e cidade que melhor atendam aos objetivos de mercado da empresa.

Notadamente, o processo de escolha do ponto comercial é um fator de muita importância para as redes de franquias. Os estudos são feitos de forma bem detalhada e, embora o franqueado participe desse processo, é a empresa franqueadora quem dá a decisão final. Em algumas empresas a seleção do ponto comercial é mais rigorosa, desenvolvida através de pesquisas de campo, com o auxilio de um check list, onde vão sendo pesados as vantagens e desvantagens locacionais de cada ponto sugerido; são montadas estruturas específicas, contratados funcionários especializados no assunto, "os olheiros" (como são chamados), que são os caçadores de pontos ideais. Essas empresas utilizam-se ainda do SIG (Sistema de Informações Geográficas) e outros programas, que auxiliam os levantamentos sócio-econômicos e fornecem mapas com as condições gerais do meio ambiente natural e construído. Há casos de empresas que terceirizam esses serviços de seleção dos pontos comerciais para empresas especializadas. São empresas que geralmente seguem critérios, como análise de fluxo de pedestres e veículos, hábitos de compra e poder aquisitivo dos consumidores. Através desses estudos, muitas lojas de fast food que possuem uma "marca" conceituada desafiam e tornam-se pioneiras em alguns locais; não seguem a orientação qualificada e acabam gerando ao seu redor uma concentração comercial, provocando a valorização dos imóveis. Notadamente, cada rede de franquia tem planos de desenvolvimento territorial diferenciados.

A seguir comentamos algumas das tendências locacionais do fast food no Brasil:

1) A master franquia e a franquia empresarial são exemplos das estratégias de expansão territorial, as quais propiciam maior velocidade na conquista do espaço e do tempo, isto é, num menor tempo ganham mais espaço. No caso das empresas estrangeiras, para cada país existe uma master franquia, que fica responsável pelo desenvolvimento da marca naquele território.

2)- No que tange à distribuição das lojas franqueadas pelo território brasileiro, é nítida a concentração na Região Sudeste e mais significativamente no estado de São Paulo (que é considerado a "core área" de desenvolvimento pois tem mercado potencial para isso). Há também uma tendência locacional nas grandes cidades, o que pode ser justificado pela concentração populacional e pelos hábitos de consumo que são mais estimulados. O ritmo de vida imposto nas grandes cidades é veloz, e isso faz com que as pessoas necessitem de serviços rápidos e eficientes: o fast food entra nessa conjuntura. Para os moradores das grandes cidades não há mais tempo de voltar para casa no horário de almoço, as refeições passam cada vez mais a serem feitas nas proximidades do local de trabalho; desse modo, o nível de crescimento do fast food passa a ser surpreendente nas grandes cidades de nosso país. Não é qualquer cidade que tem condições de receber as lojas de fast food. As empresas têm várias exigências em relação às cidades espaços-potenciais, tais como: número de habitantes, poder aquisitivo da população residente, nível de emprego, poder de atração regional do município, entre outras. Essas exigências variam em qualidade e quantidade entre as redes de franquias.

Ao observarmos as relações das lojas em funcionamento fornecidas pelas empresas entrevistadas, notamos que as cidades que compõem a Grande São Paulo possuem grande número de lojas. As demais cidades, que já as receberam, são geralmente as capitais de Estados, cidades turísticas, capitais regionais, pólos industriais e agrários, e agora, mais recentemente, cidades médias do interior do estado de São Paulo.

3)- As cidades turísticas são bastante procuradas pelas empresas pois apresentam uma população "flutuante" em determinadas épocas do ano, o que é muito importante para o fast food, pois podem disseminar e proliferar o "gosto global", a partir dessas cidades para o restante do país.

4)- Para se beneficiar do elevado fluxo de pedestres as empresas de fast food, fazem uso de uma estratégia especial, ou seja, tem pontos de venda espalhados por quase toda a linha do metrô da cidade de São Paulo. A partir dessa constatação podemos dizer que essa é uma localização eficaz para o desenvolvimento do fast food. Já que, ao se localizar nas proximidades das estações de metrô, consegue conciliar o ritmo veloz das pessoas ao seu ritmo. Em freqüentes pesquisas participativas e observações sistemáticas, nesses pontos de vendas (perto das estações de metrô), percebemos que há realmente uma sintonia, uma combinação "perfeita", entre os fast foods e as pessoas que se utilizam desse tipo de transporte diariamente. Naquele movimento incessante de pessoas, nota-se a escassez do tempo, as pessoas não têm um instante para pensar, para descansar, para se alimentar, e num fast food elas realmente não pensam, não descansam, elas apenas "comem e bebem" algo que lhes conceda a oportunidade de continuar no mesmo ritmo. É por isso talvez, que quando perguntamos a essas pessoas, se elas se sentem bem nesses ambientes, a resposta é afirmativa: criou-se a necessidade. A necessidade e o desejo, formam aí, mais um par dialético. Nas entradas e saídas das estações de metrô, na metrópole paulista, passa-nos a impressão de que, os interesses do fast food (vender rápido) e o do consumidor (comer rápido), nesses locais, estão em constante sintonia.

5)- Os Terminais Rodoviários, é outra localização privilegiada para o fast food onde, novamente, o fluxo de pedestres passa a ser uma garantia de demanda para seus produtos. Entretanto, nesses locais existe um limite maior, pois o espaço liberado ao comércio é limitado.

6)- As lojas franqueadas, principalmente as dos setores de fast food, têm forte tendência de se localizarem em shopping centers, pelo seu poder de concentração e seletividade da clientela. Essa preferência ficou constatada durante as entrevistas que realizamos, o ambiente artificial criado nestes locais leva o consumidor a pensar que os problemas sociais são externos, já que, o luxo e o aconchego prevalecem propiciando bem estar ao público freqüentador.

7)- Ainda dentro da estratégia territorial, o tamanho do ponto de venda também é uma variável preocupante, e que muda muito, de setor para setor, porém, as instalações de mini-franquias estão passando a ocorrer com maior freqüência. Existe um forte interesse por parte dos franqueadores em diminuir o tamanho dos investimentos, através de soluções econômicas, como corners, quiosques e franquias compactas, as quais têm perfeitas condições de funcionamento em lojas conjugadas, saguão de galerias ou shopping centers, exigindo pequenos espaços e menores investimentos, passando a ser uma das maneiras de se efetivar uma franquia com menos capital.

8)- Outra opção que tem muita aceitabilidade entre as redes de fast food são as unidades móveis, a principal vantagem "é a possibilidade de ir ao encontro dos consumidores". Os locais apontados como preferência para as unidades móveis foram: "Estádios de Futebol, todo o Litoral Brasileiro e lugares turísticos em geral, Congressos, Feiras, Festas Regionais (uvas, flores, etc.), a cidade de Aparecida do Norte".

9)- Quando nos remetemos à análise da localização dos municípios paulistas que estão recebendo lojas de fast food, percebemos, a importância das Rodovias (Anhangüera, Washington Luiz, D. Pedro, Imigrantes, entre outras), como indicadoras do processo de deslocamento não só das indústrias, comércio, serviços, e agora, mais recentemente do fast food. Esse direcionamento ficou bastante visível nessa nossa pesquisa, possibilitando-nos, inclusive, traçar linhas quase contínuas no mapa, ligando os municípios, em determinadas faixas do Estado. As localidades escolhidas pelo fast food, constituiem-se em centros urbanos que cristalizam as materializações espaciais articuladas através da distribuição, dos processos de produção, da circulação e do consumo. Essa localização seletiva, demonstra, sobretudo, o conjunto de centros privilegiados de consumo, que concentram além dos setores econômicos produtivos, o sistema de decisão de gestão política e controle social do Estado. Percebe-se que há necessidade de uma certa continuidade espacial, na implantação de fast foods, melhor dizendo, mesmo que a cidade tenha um nível hierárquico inferior as outras, a localização na passagem é fundamental para que não haja grandes rupturas espaciais, o que por sua vez, altera os padrões de consumo.

As considerações e reflexões finais das entrevistas nos levaram a entender que o espaço produzido por esse sistema é condição para que ele continue se desenvolvendo, ou seja, é a partir da multiplicação desses espaços no território "nacional" que ele introduz o "mundial" - característica, como já dissemos, de grande importância para o sucesso dessa forma comercial -.

Com toda a padronização e normatização presentes nesse sistema, o espaço torna-se também produto. O conjunto dos processos analisados nessa pesquisa sugere a presença de elementos, que fazem com que o estudo do sistema de franquias colabore para o entendimento do urbano. Esses elementos (planejamento, padronização, normatização, homogeneização, velocidade, e outros) criam "espaços-símbolos", que são imagens operando no sentido de reproduzir o lugar, segundo a ideologia global desse sistema. A partir do momento que ele provoca rápidos processos de adesão social a novos costumes, idéias, mitos e desejos, provoca também a cristalização de novas formas urbanas e vice-versa, ou seja, essas novas formas no urbano também são criadoras de novos processos sociais.

O fast food é o segmento mais globalizante dentro do sistema de franquias. Tal afirmativa tem coerência, a partir do momento em que constatamos que esse segmento foi capaz de introduzir hábitos em sintonia com o tempo produtivista exigido pelo nível de reprodução do capitalismo mundial. Há algumas décadas atrás, fazer as refeições fora de casa, comer em pé rapidamente, abandonar o "arroz e feijão", adotar o hamburguer no cardápio diário, eram hábitos inconcebíveis para o brasileiro. Hoje, a partir desse sistema, uma nova realidade se instala no Brasil.

Nas grandes cidades, o fast food faz parte do cotidiano, é uma necessidade criada pelo tempo produtivista (um novo tempo no urbano). Nas pequenas e médias cidades o fast food não é necessidade, é lazer, é festa; afinal, nesses lugares o ritmo ainda é outro.

O fast food é um sistema de massa, que atinge um mercado maior, passa por cima de costumes e tradições; seu objetivo principal é atender à nova necessidade do mundo atual, "a velocidade" e, para isso, acaba impondo um modo de vida normatizado, ganhando espaço. O fast food permitiu a passagem da cozinha tradicional, com preparação de pratos típicos ou pelo menos mais próximos da cultura local, para uma cozinha industrial, diversificando, num primeiro momento, os produtos nacionais para finalmente padronizá-los e homogeneizá-los em nível mundial, guardando as diferenças.

Com toda a dinâmica produtivista, instaura-se nas cidades brasileiras uma nova ordem espacial, que é meio e resultado da globalização econômica. E é pelo "lugar", que o "mundial" é empiricamente percebido. Nessa dinâmica, a homogeneização e a diferenciação convivem juntas.

Entender a produção do espaço urbano brasileiro, perante tantos antagonismos, gerando multiplicidades de formas, é o grande desafio para os geógrafos e cientistas sociais da atualidade. Entretanto, tão importante quanto estabelecer as relações entre produção-comércio-espaço urbano, é perceber que essas relações não têm um sentido de determinação claro e muito menos permanente. Não existem modelos perfeitos nem verdades eternas; o sistema de franquias que é hoje uma forma coerente com a reprodução do processo de produção, e que por isso significa uma alternativa viável como estratégia do comércio varejista, poderá não ter a mesma importância no futuro. Afinal, o setor comercial é um setor dinâmico, que apresenta um alto índice de transformações e de maneira muito rápida, significando que os estudos de atualização, nessa área de pesquisa, devem ser sistemáticos, mesmo porque, do seu desenvolvimento está dependendo, em parte, o entendimento da cidade.

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