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Ética e Meio Ambiente: Considerações sobre o Novo Código Florestal

Nos últimos meses os debates a respeito do Novo Código Florestal (Projeto de Lei nº 1876-C de 1999) têm ganhado destaque nos mais diversos setores da sociedade, dada sua grande relevância para as questões ambientais e econômicas. 

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, dispõe que "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para presentes e futuras gerações", bem como determina que aqueles que tiverem atitudes consideradas lesivas ao meio ambiente estão sujeitos à sanções penais e administrativas.

 O Código Florestal é um documento que tem por objetivo regularizar o uso das diferentes formas de vegetação no Brasil. Neste, foram criadas uma série de normas e também áreas especiais a serem preservadas. Sua primeira versão foi editada em 1934 com o objetivo de estabelecer regras e limitações a serem seguidas pelos proprietários de terras, mas esta lei obteve pouco sucesso, entrando em vigor somente em 1965, por meio da Lei Federal nº 4771, vigente até os dias atuais. Houve um aperfeiçoamento dos instrumentos da antiga lei, mas manteve-se seus pressupostos e objetivos, como evitar ocupação em áreas frágeis, obrigar a preservação de um mínimo da flora nativa para garantir um equilíbrio ecossistêmico, entre outros aspectos. Mas, desde então, vem sofrendo modificações através de leis e medidas provisórias. 

Está sendo proposto um Novo Código Florestal (Projeto de Lei nº1.876-C de 1999) com o objetivo de modificar a Lei Federal nº 4771 de 1965, no que diz respeito à exploração da terra, modificações das áreas de preservação permanente, entre outros aspectos. Este novo código é de autoria do Deputado Sérgio Carvalho, e tem como relator o Deputado Aldo Rebelo. 

Buscamos, então, analisar o PL nº 1.876/1999 no que diz respeito à contemplação de princípios éticos sob duas perspectivas distintas, se o novo código possui princípios éticos dentro de uma visão antropocêntrica ou, em uma visão que considere os demais seres da natureza, além do ser humano, em sua esfera moral. 

Algumas das discussões sobre as questões éticas nas relações entre os seres humanos e os demais elementos da natureza se dão a partir da referência a uma ética ambiental, na tentativa de estabelecer princípios éticos que orientem essa relação. Luis Alejandro Lasso Gutiérrez, em seu artigo "Princípios para fundar uma ética ambiental ", de 2008, afirma que "de acordo com esta perspectiva geral, a consciência humana começa a estender-se para incluir cada vez mais indivíduos ou seres na comunidade dos que têm significância moral". No artigo intitulado "Diferentes abordagens sobre ética ambiental", de Claudia Almeida de Oliveira e Marisa Palácios, 2009, as autoras realizam uma sistematização de diferentes correntes da ética ambiental, sendo elas: visão antropocêntrica (ética neoliberal e ecossocialismo), libertação animal e biocentrismo. No entanto, como afirmam as autoras, "saber se é possível, racionalmente coerente e politicamente oportuno reconhecer o direito da natureza não humana, em sua expressão animal, vegetal e mineral, e quais são as consequências de tal reconhecimento, constitui um laço importante na discussão ético-ecológica em geral". 

Sendo assim, questionamos se há princípios éticos contemplados nesse novo código, sejam princípios éticos que orientem a relação dos seres humanos com outros seres humanos, ou a relação dos seres humanos com os demais elementos da natureza. 

Para nossa análise elencamos não apenas alguns artigos do PL nº 1.876/1999, como também alguns excertos do relatório do Deputado Aldo Rebelo ao qual este projeto lei está inserido. Pode-se perceber que o Novo Código refere-se à relação do homem com o próprio homem, em uma perspectiva antropocêntrica. 

Trazendo para o relatório uma passagem bíblica, "E disse Deus ainda: Eis que vos tenho dado/ todas as ervas que dão semente e se acham na/ superfície de toda a terra e todas as árvores/ em que há fruto que dê semente; isso vos será/ para mantimento (Gênesis)", o relator traz implícita essa perspectiva antropocêntrica e utilitarista da natureza. Dentro de uma perspectiva ética que contemple os demais seres da natureza, percebe-se que aos outros seres não são atribuídos valores além da manutenção da vida humana. 

Sobre o artigo 1º do PL 1876/1999, "Esta Lei estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação, dispõe sobre as áreas de Preservação Permanente e a áreas de Reserva Legal, estabelece e define regras gerais sobre a exploração florestal, o suprimento de matéria-prima florestal, o controle da origem dos produtos florestais e o controle e prevenção dos incêndios florestais, e prevê instrumentos econômicos e financeiros para o alcance de seus objetivos", pode-se argumentar que, nesta perspectiva, aos demais elementos da natureza é negada a atribuição de um valor intrínseco, já que são apenas vistos como produtos e matérias-primas. Esse artigo, portanto, está diretamente relacionado com a idéia que o relator expressou ao trazer ao texto o excerto do Gênesis: uma perspectiva antropocêntrica, na qual o homem é superior aos demais seres vivos.

 O relatório do Novo Código Florestal implica questões éticas das relações humanas desde a sua introdução, levantando questões tais como das pequenas propriedades, da reforma agrária, dos criadores de boi e de tantos outros que possuem uma relação direta com as consequências, sejam boas ou ruins, que o novo código possa trazer.

 Intensificando a sua visão, o relator traz na introdução a obra "Vidas Secas", de Graciliano Ramos, na busca de abordar aspectos da vida dos proprietários rurais, já que ele usa dos personagens de Soldado Amarelo e Fabiano, onde o Soldado Amarelo representa o Estado e a imposição de normas (o Código Florestal de 1965) e Fabiano como sendo todos produtores rurais que são coagidos pelo Estado. No entanto, o que o novo código faria seria também coagir alguns produtores, já que em seu artigo 3º dispõe: "III. Área Rural consolidada: ocupação antrópica consolidada até 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias e atividades agrossilvipastoris, admitida neste último caso a adoção do regime de pousio;". Esta "Área Rural Consolidada" não está prevista no código vigente (1965), ela prevê a regularização de atividades impactantes em Áreas de Preservação Permanente (APP); isto não pode ser efetivado já que negligenciaria além da proteção da biodiversidade os cidadãos que já vinham cumprindo a lei. Na relação entre os homens fica explícito, portanto, que o princípio da justiça não é contemplado, já que os produtores que mantiveram suas APPs não são valorizados. 

Ainda podemos observar que, em seu artigo 4º, "Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, pelo só efeito desta lei: I – as faixas marginais de qualquer curso d'água natural, desde a borda do leito menor, em largura mínima de: a) 15 (quinze) metros, para os cursos d'água de menos de 5 (cinco) metros de largura;", a diminuição desta APP, em relação ao código atual (30 metros), seria muito prejudicial para conservação do solo, recursos hídricos e biodiversidade. Segundo alguns pesquisadores, corredores de 30 metros ao longo dos rios, como está proposto no Código Florestal (1965), conservariam apenas 60% da biodiversidade local. Na proposta do Novo Código, provavelmente, isto se reduziria ainda mais. Fica evidente, mais uma vez, que não se atribui valor intrínseco a todos os seres vivos, não considerando os outros seres como consideramos os seres humanos, diante do direito à existência como são. 

Diante dos argumentos apresentados conclui-se que o novo código florestal não contempla princípios éticos, nem na relação entre seres humanos, nem na relação seres humanos e demais elementos da natureza. Ele é orientado, de maneira geral, por interesses utilitaristas e econômicos. É necessário que haja modificações no Código Florestal de 1965, para sua atualização, pois desde então houve modificações tanto na sociedade brasileira como novas contribuições das pesquisas a respeito das questões ambientais. No entanto, essas mudanças devem considerar não apenas o ser humano e seus interesses econômicos, mas todos os seres vivos e seus valores intrínsecos.

Celine Philipp Diogo, Isabela Calegari Moia, Lais Roberta Deroldo Sommaggio, Ramon Peres Brexó, Vanessa Fugolin Argentin; Graduação em Ciências Biológicas; Heluane Aparecida Lemos de Souza; Programa de Pós-Graduação em Educação







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