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ARTIGOS: Café, abelhas, memória




Café, abelhas e memórias (18/04/13)

Para nós, humanos, a cafeína tem sido combustível para várias atividades cotidianas há séculos. Muito de nós já se apoiaram no café para aguentar um dia de trabalho, uma madrugada de estudos, ou quando o cansaço já é muito e precisamos deixar nossa mente "ligada".Por sorte, a cafeína é um produto natural de algumas plantas, como o café, a erva mate e o cacau.

Mas por que essas plantas produzem cafeína? Certamente, não é para garantir nossa disposição diária.

Até pouco tempo atrás, a principal resposta para essa pergunta é que a cafeína é um pesticida natural, que pode paralisar e até mesmo matar insetos que queiram se alimentar das folhas dessas plantas, além de apresentar um gosto amargo que poderia afastar outros herbívoros.

Mas muitas plantas, como o café, produzem flores. E flores, muitas vezes, dependem de polinizadores. Dessa forma, é intrigante sabermos que as flores do café, assim como flores de plantas do gênero Citrus (o que inclui a laranja) possuem cafeína em seu néctar. Se cafeína é um pesticida natural, que interesse teria a planta em envenenar seus polinizadores?

Ao que se descobriu recentemente, ao contrário do que se acreditava, a ação da cafeína em nosso sistema nervoso e sobre a memória pode sim estar relacionada à sua função na natureza.

Um experimento conduzido por cientistas de vários institutos (Universidade de Newcastle, Universidade de Dundee, Universidade Estadual do Arizona, Jardim Botânico Real do Reino Unido e Universidade de Greenwich) foi recentemente publicado na revista Science com o título de "Caffeine in Floral Nectar Enhances a Pollinator's Memory of Reward" (Cafeína em Néctar Floral Estimula a Memória de Recompensa de Polinizadores).

O primeiro passo foi examinar quanto de cafeína existia realmnte no néctar de várias plantas cítricas e variedades de café, e algumas chegavam à mesma concentração do café que tomamos normalmente.

A diferença no desempenho de aprendizagem nos grupos foi pequena. Para as expectativas do café, talvez até decepcionantes. Mas quando os grupos foram testados a encontrar a fonte de néctar após algumas horas depois do "treinamento", houve uma diferença relevante.

Ate 10 minutos depois do primeiro experimento, todas as abelhas eram capazes de encontrar igualmente as fontes de néctar. Mas 24 horas depois, as abelhas treinadas com cafeína ainda tinham o processo memorizado, enquanto as outras não. Os efeitos de memória chegaram a até 72 horas, dependendo da concentração de cafeína. Para o tempo de vida de uma abelha, isso seria equivalente a 4 a 7 anos de vida humana.

Assim, a ação da cafeína sobre a aprendizagem parece pouco destacável, mas seus efeitos sobre a memória de longa duração são bastante significativos. Também é importante dizer que cérebros de abelhas são bastante diferentes dos nossos. Enquanto humanos têm a região do hipocampo, bastante associada à memória, abelhas possuem as chamadas células de Kenyon, com função semelhante para seus sistemas nervosos. Essas células apresentam receptores de adenosina (os receptores em que a cafeína age).

Observando de perto essas células, foi possível perceber que a açãoda cafeína sobre esses receptores deixava a célula levemente despolarizada, e assim mais propícia a disparar atividade.

Os efeitos da coevolução (quando espécies se desenvolvem em consonâcia ao longo do tempo) são tamanhos que a cafeína continua sendo tóxica, tanto para abelhas quanto pra humanos, em altas concentrações. Mas pequenas regiões nas estruturas bucais das abelhas conseguem detectar a presença de cafeína em altas concentrações e evitá-la, mas não em baixas. Também, esse é um dos casos em que a evolução faz com que mecanismos já existentes num organismo (a produção de cafeína nas plantas, por exemplo) desenvolvam outras utilidades por "acidente" que poderão ser vantajosas.

A cafeina no néctar das flores auxilia que abelhas se lembrem de suas localizações e garantam melhor polinização. Nossa primeira leitura pode pensar que estas abelhas se viciam no néctar "cafeinado", mas é cedo para dizer isso. Ainda não se sabe se as abelhas, de alguma forma, preferem as flores com cafeína, mas certamente se lembram delas por mais tempo.

Veja o artigo original aqui: http://www.sciencemag.org/content/339/6124/1202.

André Luiz de Camargo Estevam - Jornal Biosferas







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