Jornal Biosferas

Brand


ARTIGOS: Evolução




Darwin e a Guerra dos Sexos

150 anos depois de lançado “A origem das espécies”, a teoria da seleção natural, espinha dorsal do famoso livro de Charles Darwin, continua sendo o cerne dos estudos em evolução e dando subsídios para discussões sobre temas nos quais muita gente sequer imagina que ela pudesse chegar. Foi com base na evolução através da seleção natural, incluindo dentro dela o conceito de seleção sexual, que um famoso zoólogo Britânico, Desmond Morris, escreveu “A mulher nua”. O livro é dedicado, segundo ele, a demonstrar que não só as mulheres merecem tratamento igual aos dos homens, mas são superiores ao homem de uma maneira geral, tudo graças aos caprichos da evolução.

Em “A mulher nua”, Desmond Morris, também escritor do best seller “O macaco nu” e famoso apresentador de programas de história natural, dedica todas as 247 páginas do livro para demonstrar uma possível superioridade feminina em relação ao sexo masculino e todas as outras criaturas. Logo no primeiro capítulo, intitulado exatamente como Evolução, ele explica de maneira geral o que faz a espécie humana diferente dos outros primatas e, após isso, dedica cada capítulo a uma parte do corpo feminino, da cabeça aos pés. Ou melhor, dos cabelos aos pés. Nesses capítulos, Morris explica como e porque determinada parte do corpo feminino evoluiu para ser da forma como é hoje, citando também como diversas culturas ao longo da história humana tentaram modificar as partes do corpo feminino de modo a torná-lo ainda mais atraente. Do cabelo aos pés ele explica a origem de muitos mitos, lendas e costumes presentes ainda hoje nas diferentes culturas, que vão desde o mito da “loira burra” até o significado pejorativo de gestos como exibir o dedo médio e mostrar as nádegas.

Segundo o zoólogo, o que o motivou a escrever o livro foi o inconformismo com o modo como a mulher – a obra de arte suprema da evolução – anda sendo tratada em algumas partes do mundo, principalmente nas sociedades machistas. Para ele, isso não é simplesmente uma forma incorreta ou desumana de tratar pessoas do sexo feminino, que deveriam ter direitos iguais, mas também uma incompatibilidade muito grande com a forma como o Homo sapiens evoluiu. Até poucos milhares de anos atrás, todas as divindades eram representadas por uma mulher, havia divisão de trabalho entre os sexos e as mulheres ocupavam um papel central nas sociedades. Tudo isso acabou dando lugar a sociedades machistas, nas quais a mulher era (ou ainda é) subjugada por homens rudes amparados por um “Deus Pai” vingativo e relegada a uma posição que não está à altura das capacidades que milhões de anos de evolução conferiram a elas.

Mas enfim, por que o autor considera as mulheres o estado de arte da evolução, superiores inclusive ao sexo masculino? Na explicação de Morris, uma das coisas que faz a nossa espécie ser do jeito como está hoje, é um processo conhecido como Neotenia. Esse processo não é exclusivo do Homo sapiens e está presente em muitos outros grupos de animais, vertebrados e invertebrados, consistindo em nada mais do que manter características juvenis no animal adulto. Desse modo, todo ser humano, homem ou mulher, é cerca de 100 vezes mais neotênico do que machos e fêmeas de outros animais. E, se o nome Neotenia é estranho ou desconhecido para muitos, suas conseqüências são bastante visíveis: Só para citar um exemplo, o ser humano é o único animal que brinca a vida toda e não apenas enquanto filhote; contudo, na fase adulta, chamamos nossas brincadeiras por outros nomes, como arte, pesquisa, música, poesia, viagem, filosofia, etc. Os resultados desse processo vão além de um adulto brincalhão: Graças à neotenia, somos insaciavelmente curiosos e capazes de viver em aglomerados cada vez maiores, combinação de características que nos tornou capazes de viver em condições intoleráveis para qualquer outro macaco.

Embora tanto machos quanto fêmeas humanas sejam bastante neotênicos, a neotenia não se manifestou exatamente da mesma forma em ambos os sexos. Os machos humanos são programados para ter despertado seu instinto de proteção frente à prole, bebês humanos indefesos e incapazes de sobreviver sem os cuidados e proteção dos pais. Ao mesmo tempo, os machos humanos, especializados na função de caçar, são em média 30% mais fortes e 7% mais altos do que as mulheres, o que faz da sua proteção um cuidado indispensável. Tanto para os bebês e, por que não, para as mulheres também, e foi por isso que a Neotenia avançou mais em relação ao corpo da fêmea humana. Em suma, o corpo delas evoluiu ficando cada vez mais parecido com o de um bebê. A fêmea humana tem formas mais arredondadas e suaves, resultado, entre outras coisas, dos 25% de gordura que recobrem seu corpo, exatamente o dobro da média masculina, tudo isso para despertar neles a vontade de protegê-las. Isso seria a explicação para, por exemplo, a preferência pelas loiras. Segundo Morris, geralmente os bebês possuem cabelos mais claros e finos do que seus pais, justamente o que ocorre com o cabelo loiro, mais suave e fino do que os fios morenos. Contudo, isso traz outras conseqüências: A imagem da loira geralmente está associada a algo frágil, que precisa ser protegido, ao passo que fotos de revistas retratando mulheres executivas e independentes costumam apelar para fotos de morenas. Outra conseqüência para as loiras são mitos como o da loira burra ou ninfomaníaca, também explicados pelo autor no seu livro, que não poupa comentários sobre fatos históricos e sociológicos. De acordo com ele, era comum, desde a antiguidade, mulheres usarem perucas loiras ou tentarem descolorir seus cabelos, utilizando técnicas que chegavam a causar a morte, como o uso de ácido sulfúrico. Obviamente, as prostitutas não abriam mão de ter cabelos loiros, chegando ao ponto de, no império Romano, o Estado obrigar todas as prostitutas a usarem perucas loiras. Assim, com o passar do tempo, o cabelo loiro acabou sendo associado aos poucos com mulheres que não se importavam com mais nada senão atrair a atenção masculina, e disso pode ter derivado o mito atual da loira burra.

As divagações do autor sobre a origem de nossas preferências em relação ao sexo oposto não param por aí. Ele também discute, entre outras coisas, o forte apelo sexual exercido pelas nucas femininas sobre os homens japoneses, semelhante aos seios na sociedade ocidental. A explicação para isso seria que geralmente as mulheres carregam seus bebês no colo, junto aos seios, porém, no Japão, era comum os bebês serem carregados nas costas, colados a nuca, daí o forte apelo sexual gerado por nuca e seios nas duas sociedades. Morris também discorre sobre a evolução de partes como as nádegas e os próprios seios. Segundo ele, a função dos seios nas mulheres vai muito além da simples amamentação, visto que a maior parte dos seios é composta por gordura e não por glândulas mamárias. Além disso, a fêmea humana é a única que possui seios protuberantes a vida toda, mesmo quando não está lactando, e o formato hemisférico dos seios não é nem um pouco funcional na amamentação. Dado esses fatos, fica claro que os seios e seu formato arredondado possuem função sexual. A explicação mais óbvia para o autor, de acordo inclusive com a observação do comportamento de outros primatas, é que os seios imitam as nádegas. É comum em outros macacos – digo outros porque nas palavras do próprio Desmond Morris “o ser humano não é nada mais do que um macaco sem cauda e com um cérebro enorme” – as fêmeas emitirem sinais eróticos com o traseiro enquanto caminham, excitando os machos, sendo que nas fêmeas humanas os sinais partem de um par de hemisférios: as nádegas. Porém, a mulher caminha ereta e quando vista de frente as nádegas não podem ser observadas, mas sim o “par falso” de nádegas que a mulher possui na frente do seu corpo. Esta situação ilustra bem o conceito de seleção sexual, pois nela uma parte do corpo que aparentemente não traz vantagens na luta pela sobrevivência (os seios) acaba prevalecendo somente porque é atraente para o sexo oposto. Desse modo, os indivíduos que possuem tais características acabam atraindo mais os possíveis parceiros sexuais e, consequentemente, procriam mais.

Se nas mulheres a Neotenia se manifestou principalmente no corpo, tentando despertar nos machos a mesma reação paterna que eles exibem diante de seus bebês, nos homens a história foi outra. Como caçadores, atividade que envolve alto risco, eles precisavam sentir menos medo e arriscar mais. Mas onde a neotenia entra nisso tudo? Todos sabemos o quanto crianças simplesmente não tem a noção do perigo representado por certas situações e correm riscos às vezes sem motivo. Foi exatamente esse o papel da neotenia no macho humano: ele é mais imaturo em relação à mulher, mesmo quando adulto, justamente para se arriscar mais e trazer a comida para casa. Entre outras coisas, essa maior imaturidade explicaria, por exemplo, porque existem mais homens inventores do que mulheres. Justamente porque a invenção envolve correr riscos e enfrentar incertezas, situações que seriam evitadas pelas mulheres, incumbidas de cuidar de praticamente todos os aspectos da sociedade primitiva, incluindo a criação dos filhotes. Elas, responsáveis por inúmeras tarefas, se tornaram capazes de realizar várias coisas ao mesmo tempo, desenvolveram um sistema imunológico mais resistente, já que a saúde do bebê depende delas, incrementaram a habilidade de se comunicar, pois viviam em companhia de várias outras adultas e crianças, não apenas se comunicando por sinais durante uma caçada e, finalmente, desenvolveram uma melhor capacidade de diferenciar cores e sons. Mas por que os homens se especializaram na caça, atividade mais arriscada e elas cuidavam de todos os outros aspectos da sociedade? Simples: Se um homem morresse na caçada, isso não alteraria em nada a capacidade reprodutiva do grupo, mas se isso acontecesse com uma mulher, um filho a menos seria gerado.

Resumindo a ópera, elas são mais bonitas fisicamente e mais maduras mentalmente, ao passo que eles são mais imaturos e possuem corpos mais rústicos, o que explica a idéia inicial do autor: as mulheres são o estado de arte, a obra prima da evolução.

Contudo, há quem não fique contente com a idéia do autor e diga que, apesar de enaltecer as mulheres as colocando como o ser mais perfeito na face da terra, esse discurso mascara uma abordagem puramente machista. Muitas mulheres, segundo o próprio autor, julgam ofensiva a idéia de que uma parte do corpo feminino evoluiu simplesmente para atrair a atenção do macho e, se esse for o problema, realmente esse livro não deixaria nenhuma feminista satisfeita: todos os capítulos, do começo ao fim, trazem informações sobre o apelo sexual exercido por cada parte corpo feminino, comentando como as diversas culturas tentaram embelezar ainda mais cada parte do corpo da mulher.

Todavia, o processo evolutivo não é guiado pelas idéias que agradam ou não determinado segmento da sociedade e, se existem outras explicações para o modo como evoluiu o corpo da mulher – e elas existem – ao menos a abordagem de Morris é bastante contundente e embasada em fatos conhecidos sobre a evolução da espécie humana. O processo da seleção natural seleciona aqueles indivíduos que por algum motivo conseguem levar alguma vantagem na sobrevivência e, se as mulheres que possuíam corpos mais parecidos com o de bebês despertavam o instinto protetor dos homens e levavam vantagens sobre outras na sobrevivência, é razoável supor que pelo menos durante um bom tempo, foi assim que evoluiu a espécie humana, em especial a mulher. Outro ponto que também deve ser levado em consideração nessa abordagem é o fator cultural: as explicações de Morris fazem bastante sentido, entretanto, não há como negar a influência da cultura das diferentes épocas na atração sexual entre sexos – e as modelos anoréxicas estão ai para provar isso.

Alexandre Peressin – 4º ano de Ciências Biológicas







Nos encontre nas redes sociais: