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ARTIGOS: Evolução




A Quem Dar os Créditos da Teoria da Evolução?

Darwin não trabalhou sozinho, tampouco foi o primeiro. O que, então, o torna único?

Escrever a respeito da vida e da obra de Charles R. Darwin é tarefa das mais espinhosas, pois corre-se sempre o risco de ser cobrado por se dizer obviedades ou por plagiar as palavras de alguém. Darwin é um dos autores da mais brilhante teoria científica que se tem conhecimento e que se popularizou pela simples razão de tratar de nossas próprias origens, tema com o qual todos nós nos preocupamos em algum momento de nossas vidas. Acrescenta-se a isso o fato de estarmos vivendo a fase mais brilhante do desenvolvimento da biologia, à semelhança do que aconteceu com a física há tempos e sobre a qual provocou seu maior impacto. Como é do conhecimento daqueles que se interessam pela biologia, a descoberta da evolução deu surgimento a uma máxima de unânime aceitação e que reforça o papel que teve no seu desenvolvimento: Nada em biologia faz sentido se não for visto à luz da evolução.

Esse texto não tem a pretensão de ter características científicas, razão pela qual não me preocuparei em citar as milhares de fontes bibliográficas existentes em todas as áreas do conhecimento, que vão da biologia à teologia, especialmente a enxurrada de livros, artigos e resenhas que foram publicadas neste ano, que marca o bicentenário do nascimento de Darwin e os 150 anos da Publicação da Origem das Espécies. Todavia, o rigor a respeito das informações permanece.

Procurarei repassar um pouco dos fragmentos dos pensamentos de Richard Dawkins, um dos mais brilhantes evolucionistas do nosso tempo, especialmente por seu interesse em popularizar o conhecimento da teoria da evolução, apresentado a convite da Royal Academy em comemoração da data de quando se deu a leitura dos artigos de Darwin e Wallace – 1 de julho de 1856 –, na Linnean Society. Dawkins nasceu em Nairobi em 1941, cresceu e teve toda sua educação básica realizada na Inglaterra. Formou-se pela Universidade de Oxford e deu aulas de Zoologia na Universidade de Berkley. Atualmente é titular da Cátedra de Compreensão Pública da Ciência de Oxford.

Creio também que será uma boa oportunidade, especialmente em razão do público a que se destina este texto, para recuperarmos e darmos a Alfred Russel Wallace os créditos que lhe são devidos à sua contribuição ao descobrimento da teoria da evolução, uma vez que esta não tem chegado ao grande público em razão das datas que se comemora, além de que, os textos em geral têm privilegiado a figura de Darwin ao longo da história. Está na natureza das verdades científicas que elas estão à espera de alguém para serem descobertas por qualquer um que tenha a habilidade de fazê-lo. Diferentemente do que ocorre no terreno das artes, no das ciências a descoberta científica não muda sua natureza em razão de quem a descobriu. Isto representa a glória e a limitação da ciência. No mundo das artes se dá o oposto. Se Shakespeare não tivesse vivido, ninguém mais teria escrito Mcbeth. Se Darwin não tivesse vivido, alguém mais teria descoberto a importância da seleção natural no processo de evolução. De fato alguém o fez, Alfred Russel Wallace.

Em 1 de julho de 1856, foi lançada para o mundo a teoria da Evolução pela Seleção Natural. Trata-se, para muitos cientistas de alto padrão, da mais poderosa e rica idéia que já ocorreu à mente humana. Mas, não foi em uma única mente, e sim em duas. Darwin e Wallace distinguiram-se não apenas pela descoberta que fizeram independente e simultaneamente, mas pela generosidade, humanidade e alto espírito científico com que resolveram a prioridade da autoria. Darwin e Wallace simbolizam não apenas mentes brilhantes no campo das ciências, mas o espírito de cooperação amigável em que colocaram a ciência no seu patamar mais alto.

Para muitos, se tivessem que premiar a melhor idéia que alguém já teve, o prêmio seria dado a Darwin e Wallace, adiante mesmo de Newton, Einstein e de alguém mais. Isto porque a teoria de Darwin e Wallace da evolução pela seleção natural é a explicação não somente para a vida em nosso planeta, mas da vida em geral. Se a vida for encontrada em algum outro lugar, há fortes evidências de que ela possa diferir da encontrada na terra em detalhes, mas a explicação de sua diversidade, se houver, seguirá os mesmos princípios estabelecidos na Terra, ou seja, os descobertos por Darwin e Wallace. Daí a razão da premiação, pois as leis da física que valem por aqui não serão as mesmas de outros planetas. Isto significa que a obra de Darwin e Wallace ultrapassa nossas fronteiras espaciais. A vida inteligente em um planeta surge quando alguém começa questionar a razão de sua própria existência. A primeira pergunta que criaturas superiores vindas do espaço para visitar a Terra interessadas em avaliar nosso grau de civilização fariam seria: será que eles já descobriram a evolução? Organismos vivos tem existido na terra sem saber por que há mais de trezentos milhões de anos, antes da verdade ter sido descoberta por dois deles. Seus nomes: Darwin e Wallace.

As razões pelas quais o nome de Darwin aparece sempre encabeçando as citações bibliográficas é matéria de discussão, especialmente por se reconhecer a simultaneidade da descoberta da teoria da evolução por ambos. Wallace, reconhecido como uma pessoa de natureza generosa, aparentemente não soube julgar os méritos que tinha em mãos e as repercussões de sua descoberta para a posteridade, ou então, sua generosidade estava além dessas preocupações, pois nunca demonstrou constrangimento em ressaltar o nome de Darwin. Foi Wallace quem criou a expressão Darwinismo. Ele regularmente referia-se à teoria da evolução como “a teoria de Darwin” e dizia-se mais Darwinista que o próprio Darwin. A razão pela qual conhecemos mais o nome de Darwin do que o de Wallace é que ele foi além, ao publicar A Origem das Espécies. A obra não apenas explicou e defendeu a teoria de Darwin e Wallace da seleção natural como mecanismo criador da evolução, mas também estabeleceu as múltiplas evidências dos fatos que apontavam para a existência da evolução. O fato de Darwin ter colocado também o homem nas discussões a respeito da evolução e de ter admitido que era resultante dos mesmos mecanismos evolutivos que envolviam os animais e vegetais tornaram seu nome mais conhecido. Quando submetido, em razão disto, a críticas e perseguições políticas e religiosas chamou pelo auxílio de Wallace, que se recusou a dá-lo admitindo que o homem não teria sua origem ligada aos mesmos princípios que engloba os animais e vegetais.

A descoberta simultânea realizada por Wallace fica demonstrada de modo cristalino em uma das cartas de Darwin enviadas a Lyell que cobrava de Darwin a publicação das idéias que apresentava a respeito da seleção natural; for early in the summer of 1858, Mr Wallace who was then in the Malay archipelago sent me an essay ON the Tendency of Variets to Depart Indefinitely from the Original Type; and this essay contained exactly the same theory as mine (No iniício do verão de 1858, Mr Wallace, que estava no arquipélago malaio, enviou-me um ensaio sobre as Tendências de Variedades a Afastarem-se Indefinidamente da Forma Original; e esse ensaio continha exatamente a mesma teoria que a minha). Até aquele momento as idéias de Darwin não estavam publicadas, mas eram de conhecimento do mundo científico que o cercava. As idéias de Wallace eram, sem dúvida, muito semelhantes às de Darwin e não há duvida que eles chegaram às mesmas conclusões independentemente. Tem havido defensores de outros candidatos que postulam a prioridade dada a Darwin e Wallace, mas que não abordam a idéia da evolução por si mesma.

Para a seleção natural há outros dois nomes citados, Patrick Matthew e Edward Blyth. E o próprio Darwin reconhece W. C. Willis como anterior a ele. Matthew queixou-se que Darwin ignorou-o ao não mencionar seu trabalho de 1831, Naval Timber and Arboriculture (Madeira Naval e Arboricultura) no qual lançava a idéia da seleção natural. Na quinta edição da Origem das espécies, na introdução, Darwin admite o equívoco ao reconhecer que Matthew tem precisamente a mesma visão da origem das espécies como proposta por ele e Wallace no Linnean Journal. Muitos pesquisadores, dentre ao quais se sobressai Dawkins, afirmam que esses predecessores de Darwin e Wallace foram incapazes de entender a seleção natural como uma força motriz responsável pela evolução e pelo aparecimento da complexidade da vida encontrada no planeta e sim a entenderam como sendo uma força negativa, incapaz de construir toda a complexidade da evolução atualmente conhecida.

A única outra teoria que se pode suspeitar como sustentável é a de Lamarck, combinação do uso e desuso, juntamente com a herança dos caracteres adquiridos. Tem sido sugerido que a teoria de Lamarck seria uma boa teoria se não conflitasse com os fatos. A infelicidade da teoria está justamente no fato que características adquiridas na verdade não são herdadas. Dawkins nega a validade da teoria Lamarckiana mesmo se admitindo que os caracteres adquiridos fossem herdados. Segundo ele, a teoria não é suficientemente poderosa para explicar a complexidade da organização e da adaptação a que chamamos de vida.

Outras tentativas de explicação sobre a origem da vida, como Ortogênese, Mutacionismo, Design Inteligente, estão muito distantes para serem tomadas como adequadas como responsáveis pela evolução, a tal ponto de não serem consideradas como sérias.

A seleção natural é a única explicação cientificamente sustentável que temos a respeito de tudo que sabemos sobre a vida. Ela explica com poder, elegância e economia. É uma teoria com estatura, uma estatura que a faz compreender a magnitude do problema que se propõem a elucidar. Darwin e Wallace podem não ter sido os primeiros a terem uma visão da idéia da seleção natural, mas foram os primeiros a entenderem a magnitude do problema e juntamente chegaram à correspondente magnitude da solução. Esta é a medida de suas estaturas como cientistas. A generosidade mútua com a qual eles acertaram a questão da prioridade da obra é a medida de suas naturezas como seres humanos. Com essas palavras Dawkins encerrou sua participação no evento de 26 de novembro de 2001, na Royal Academy em comemoração ao aniversário da leitura dos trabalhos de Darwin e Wallace na Linnean Society em 1 de julho de 1858.

Amilton Ferreira – Depto. de Biologia, Instituto de Biociências, UNESP – Rio Claro







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