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ARTIGOS: Evolução




Ensino de Evolução: Concepções e Conflitos em Sala de Aula

Em sentido amplo, evolução significa mudança. Assim, indivíduos evoluem, a sociedade evolui, a linguagem evolui. Entretanto, na área da Biologia, o termo evolução assume um significado bem específico. Futuyma diz, em seu livro Biologia Evolutiva, que “a Evolução Biológica é a mudança das propriedades das populações dos organismos que transcendem o período de vida de um único indivíduo. [...] organismos individuais não evoluem. As mudanças nas populações que são consideradas evolutivas são aquelas herdáveis via material genético, de uma geração para a outra”.

Como ocorre com muitas teorias científicas ao serem associadas a crenças e valores diversos, a Teoria da Evolução Biológica tem sido frequentemente associada a diferentes visões, como as materialistas e ateístas. O livro “A evolução das Espécies”, de Charles Darwin, abalou a crença criacionista, segundo a qual todos os seres vivos teriam sido criados ao mesmo tempo por um agente divino. Desde então, trava-se uma batalha entre evolucionistas e criacionistas.

Ainda com relação à teoria evolutiva, também se observa sua apropriação para a elucidação de questões sociais relativas à sociedade humana. Embora criada para explicar o mundo natural, a teoria da seleção natural e sua implicação com a “luta pela sobrevivência” serviram de fundamento para muitas doutrinas sociais, surgindo então o que se convencionou chamar de darwinismo social. O filósofo Herbert Spencer é citado na obra de Mayr (O Desenvolvimento do Pensamento Biológico) como o pai intelectual desse conceito. Através do darwinismo social, podem ser justificadas as desigualdades sociais, o racismo e a dominação imperialista: os milionários seriam considerados produtos da seleção natural e a guerra pode ser considerada como necessidade biológica. O darwinismo social, no final do século XIX e início do século XX, fomentou teorias nacionalistas, racistas e militaristas. Diante da complexidade desse tema, voltamo-nos para seu ensino nas escolas de educação básica. Como trabalhar os conceito biológicos em meio a tantas polêmicas?

Pesquisas na área da Educação revelam que os estudantes pouco entendem a teoria evolutiva. Suas idéias distanciam-se muito das concepções científicas, e o significado de evolução geralmente vai muito além do entendimento do darwinismo enquanto conjunto de teorias biológicas particulares. Para os estudantes, evolução está associada à idéia de progresso, crescimento, multiplicação, melhoramento, sem contar o fato de que a evolução biológica e cultural parecem estar intimamente ligadas a um mesmo amplo significado. Em seu artigo Teaching Evolutionary Biology, Tidon e Lewonttn afirmam que associadas às principais dificuldades do ensino e aprendizagem de evolução destacam-se as concepções alternativas, idéias de senso comum e crenças religiosas "anti-evolucionistas" que os estudantes já trazem da sua vida pré-escolar.

O ensino de evolução freqüentemente suscita a polêmica entre o criacionismo e o evolucionismo. Para esquivar-se da polêmica, alguns professores apresentam a teoria evolutiva como sendo a única explicação para a origem de novas espécies; outros apresentam o criacionismo como uma visão que nunca esteve presente na comunidade científica; há aqueles que defendem ser melhor não abordar o criacionismo em aulas de evolução, assim como também aqueles que defendem que deve haver uma ampla discussão entre criacionismo e evolucionismo para a compreensão de que ciência e fé pertencem a paradigmas diferentes. Beverly Jane, em seu artigo The evolution/Creation Sceince Controversy, cita e concorda com Roger Bybee na consideração de que, ao invés de debater o assunto, o professor deve ensinar a seus alunos sobre a natureza da ciência, auxiliando-os a desenvolverem suas habilidades de investigação e a reconhecerem a ciência como construção social.

A maior parte da comunidade científica considera o pensamento evolutivo o eixo central e unificador das ciências biológicas, fundamental para a compreensão da diversificação dos seres vivos. Entretanto, a teoria evolutiva não tem recebido a devida importância no ensino de Biologia. Embora este tema esteja presente nas propostas curriculares, os conteúdos relativos à Evolução são abordados em poucas aulas, geralmente no terceiro ano do Ensino Médio. Dessa forma, o assunto pode ser eliminado por "falta de tempo", ou então, quando abordado, são dadas apenas "noções de darwinismo e lamarckismo". Pensando em uma grade curricular que contemple, no mínimo, duas aulas semanais de biologia, cerca de duzentas aulas de biologia são dadas durante os três anos do ensino médio. Porém, de acordo com dados obtidos em Brasília, 65% dos professores trabalham o assunto em menos de dez aulas. Dessa forma, a parte dedicada ao estudo da evolução pode ser considerada pouco significativa. Isso sem considerarmos toda a questão de valores e conflitos pessoais apresentados pelos alunos com relação ao tema, questões que geralmente não são consideradas nas escolas, que não deveriam ser simplesmente ignorados, demandando também um tempo da aula para ser trabalhados.

Neste aspecto, penso ser importante destacar a atenção que é dada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (Ministério da Educação e do Desporto) à questão dos conteúdos de ensino, que não se restringem ao conteúdo referente a conceitos e fatos, tradicionalmente reconhecido pelos educadores. Nesse documento, se propõe que o trabalho educativo envolva também os conteúdos referentes a procedimentos, atitudes e valores, que estão implicados nos temas tratados em sala de aula.

Sob essa perspectiva, o ensino da Teoria da Evolução Biológica deve envolver conhecimentos, habilidades, atitudes e valores, possibilitando ao aluno compreender não somente a teoria biológica em si, mas também as crenças e valores que são comumente associados a ela, tendo melhores condições para reconhecer esses diferentes aspectos e estabelecer seu próprio posicionamento. Ainda, os conteúdos de ciências devem proporcionar aos estudantes a oportunidade de desenvolver capacidades que os auxiliem na aquisição de posturas críticas, na realização de julgamentos e na tomada de decisões fundadas em critérios tanto quanto possíveis objetivos, defensáveis, baseados nos conhecimentos compartilhados pela comunidade científica. A realização dessa proposta de ensino, no entanto, não é tarefa fácil. De um lado, deparamo-nos com as dificuldades relativas à elaboração de atividades que contemplem o trabalho com esses diferentes conteúdos de ensino.

Esses são alguns dos desafios que enfrentam os professores que pretendem trabalhar com esse tema. É preciso considerar, ao se trabalhar com a Teoria da Evolução Biológica, as idéias de senso comum, crenças e valores que a sociedade – e em conseqüência os estudantes – apresenta sobre a evolução dos seres vivos. Sem perder de vista a função, em uma escola laica, de oferecer às novas gerações os conhecimentos cientificamente produzidos, independentemente de posicionamentos religiosos, pois estes precisam ser respeitados. Como diz Érica C. Roberto (em Ensino de Evolução: Investigando as concepções e os conflitos de alunos do ensino médio), há “necessidade de se promover, em sala de aula, um ambiente de abertura e acolhimentos, possibilitando aos alunos manifestarem suas posições frente a um assunto polêmico como este”. Isso significa inclusive que se deve apontar a natureza ideológica da extrapolação da teoria biológica para o entendimento das relações sociais, uma concepção reducionista biologizante da sociedade humana. Esse tratamento mais amplo da questão implica naturalmente na elaboração cuidadosa de atividades de ensino que permitam trabalhar conhecimentos e valores, uma proposta educativa a partir da qual o ensino de Biologia se articula com a vida do estudante, podendo com isso tornar-se mais significativo a ele.

Érica Cristina de Oliveira Roberto, Dalva Maria Bianchini Bonotto – Depto de Educação, Instituto de Biociências, UNESP Rio Claro







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