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ARTIGOS: Filosofia da Ciência




Filme “Cobaias” e o Caso Tuskegee – onde estava a Bioética?

O filme “Cobaias”, 1997, Anasazi Productions, se baseia no “Estudo Tuskegee de Sífilis Não-Tratada em Homens Negros”, mais conhecido como Caso Tuskegee, que ocorreu no Condado de Macon, Alabama, Estados Unidos, de 1932 à 1972, ele foi uma das transformações que mais contribuiu para o avanço da Bioética, houveram outros estudos relacionados à sífilis antes dele, porém a penicilina ainda não havia sido descoberta (descoberta em 1928, por Alexander Fleming, e utilizada como fármaco a partir de 1941), como o “Oslo Study” e o “Rosahn Study”.

O Caso Tuskegee é comparado a outros estudos, os quais os participantes também não eram informados do experimento, como os estudos realizados na Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), por Hitler em prisioneiros de guerra, na sua maioria judeus, eles eram expostos a temperaturas muito baixas por períodos prolongados; infectados com tifo, malária, e outras doenças para testar drogas e vacinas; esterilização; administrar venenos para estudar seus efeitos letais; testes aplicando corantes químicos em olhos de presos na tentativa de mudar suas cores, experiências com gêmeos, entre outros. Em 1947 médicos do regime nazista são julgados pelos crimes cometidos, elabora-se o Código de Nuremberg, primeiro sistema normativo internacional regulador dos padrões de pesquisas clínicas, nele já se estabelecia que o consentimento voluntário era absolutamente essencial e que o participante tinha direito de ser informado para tomar a decisão. Em 1948 foi elaborado a Declaração Universal dos Direitos do Homem - “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.

Além disso, a pesquisa passou por vários estágios, sendo os iniciais plausíveis, os objetivos iniciais eram levantar novos fundos para tratar os participantes, pois depois da Crise de 1929 o governo Rosenwald retirou os fundos que auxiliavam a descoberta de novos tratamentos para a sífilis, doença que mais afetava os moradores da cidade de Tuskegee, porém a proteção do indivíduo não era tão importante quanto o interesse da sociedade em mostrar que os negros eram inferiores tanto socialmente, culturalmente, quanto biologicamente. Nenhum deles foi informado sobre o verdadeiro propósito do estudo, eles foram induzidos a acreditar que estavam recebendo tratamento adequado, além de receberem incentivo por parte da enfermeira Eunice Rivers, como conversas, visitas, comida, remédios, seguro funerário, consultas com médicos e exames, quando alguns reclamavam que o tratamento não estava surtindo efeito, que eles tinham dores, a enfermeira dizia que o governo estava gastando com eles, que eles eram ingratos, em 1957 os sobreviventes até ganharam um diploma do Serviço de Saúde Pública Norte-Americano agradecendo a participação de 25 anos no estudo, como se isso fosse o suficiente pelo não tratamento lhes negado; por fim o estudo foi interrompido em 1972 por pressão da sociedade, após divulgação na imprensa leiga. Em 1947 o serviço de saúde pública norte-americana criou "Centros de Tratamento Rápido" para pacientes com sífilis, mesmo assim, todos os indivíduos incluídos no estudo continuavam sem receber tratamento por decisão formal do grupo de pesquisadores, o que no filme é mostrado quando o militar ex-participante do estudo leva seu amigo para tomar a vacina e ele não pode, pois seu nome está marcado para não tomar a vacina, além do fato da influência da enfermeira, Eunice Rivers, sobre os participantes do estudo, eles tinham menos instrução, mostrando que aquele que detém maior grau educacional, é mais confiável. Ela era tão confiável, na visão dos participantes, que até 1952, de 146 óbitos, ela conseguiu a autorização para 145 necropsias.

Foram escritos 13 artigos científicos sobre o estudo, os mais importantes foram os de 1936, 1952 e 1961, e em todos era explicito o não tratamento, por vezes os artigos geraram polêmica, mas esta logo foi superada, mostrando que a história ideológica era muito presente mesmo no mundo acadêmico. Muitas pessoas contraíram sífilis ao longo do estudo, bem como muitos recém-nascidos e o E.U.A. pagaram mais de dez milhões de dólares em indenizações para mais de 6.000 pessoas, mas somente em 16 de maio de 1997 o Presidente Bill Clinton pediu desculpas formais para os cinco sobreviventes que compareceram à solenidade na Casa Branca, isso mostra que ainda há muita hierarquia de valores, perdemos a noção dos direitos dos valores das pessoas. Em relação a este triste caso da história mundial, em 1981 James H. Jones, publicou o livro Bad Blood: The Tuskegee Syphlis Experiment e em 1997 saiu o filme Cobaias, uma forma de tornar mais público o episódio lamentável. O filme em si é bem fiel a história que aconteceu, porém mesmo sendo encarado como um documentário, ele tem um toque de romance que não aconteceu na realidade, talvez para minimizar um pouco a brutalidade da pesquisa.

Esse caso foi fundamental para a estruturação da Bioética, ética em ciência experimental, pois em 1978 houve a publicação do Relatório Belmont, seus princípios eram: respeito pelas pessoas (consentimento livre e esclarecido), ou seja, saber sobre o que se trata, estar ciente da pesquisa, sua finalidade e riscos; beneficência (avaliação da relação custo-benefício), ou seja, vale a pena fazer a pesquisa, os dados serão úteis; e justiça (igualdade de acesso à participação nos estudos e distribuição dos resultados), ou seja, todos têm que ter acesso aos resultados da pesquisa.

Onde estava a Bioética nessa época? Valeu a pena tantas mortes em relação aos resultados que o estudo obteve? Porque tantos tiveram que morrer, não somente nesse caso, mas também em outros como nos experimentos da 2° Guerra Mundial, estudo de células cancerosas vivas injetadas em 22 idosos para testar a imunidade ao câncer, ausência de tratamento de hepatite em crianças com deficiência mental, e outras infectadas deliberadamente com o vírus; infelizmente por causa dessas mortes e dessas pesquisas antiéticas que hoje a Bioética está tão estruturada, por causa deles que hoje para se fazer qualquer tipo de pesquisa, tanto com seres humanos, quanto com animais, existe um Comitê de Ética que avalia a proposta, avalia se vale a pena o estudo, se a metodologia é necessária, quantos indivíduos são necessários, então quem somos nós para julgar se os resultados dessas pesquisas foram válidos para que elas acontecessem, apenas podemos dizer que eles foram válidos para que esse tipo de pesquisa não aconteça mais, para assegurar que as próximas pesquisas não sejam feitas dessa maneira, que elas respeitem os objetos de pesquisa, para que os indivíduos não sejam somente um número, uma estatística, um resultado e sim um ser humano ou animal que acima de tudo merece respeito e tem direito a vida.

Tauana Campos – 4° ano de Ciências Biológicas







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