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ARTIGOS: Educação




A Formação do Biólogo e a Educação Ambiental

A crise ambiental, discussão tão recorrente nos dias atuais, torna explícitos os limites e as conseqüências das práticas sociais. Vários autores acreditam que a racionalidade instrumental, o mecanicismo, o reducionismo e outros paradigmas vigentes de nossa civilização são determinantes do atual padrão de relacionamento sociedade-natureza e, conseqüentemente, da crise ambiental vigente. Muitas das reflexões contemporâneas em torno da temática ambiental apontam para uma incoerência nesses paradigmas que deve ser enfrentada, no sentido de colaborar com a criação de uma relação justa e sustentável da sociedade entre si e entre sociedade-natureza, desde as formas mais individuais e locais em que essa relação se manifesta, até as mais coletivas e globais.

Em meio às propostas de enfrentamento da crise ambiental, vários autores apontam a educação ambiental como uma possibilidade relevante de atuação. Para tal, acreditamos que sua prática deve superar propostas simplistas, como a de restringir a prática de educação ambiental à transmissão de conhecimentos científicos Assim, por exemplo, não basta que o educador trabalhe apenas os conteúdos conceituais de ecologia.

Consideramos apropriada a proposta de Luiz Marcelo de Carvalho (UNESP – Rio Claro), ao afirmar que o trabalho com a educação ambiental precisa contemplar as três dimensões esquematizadas a seguir:

Relacionando às dimensões acima expostas com um projeto de educação e meio ambiente, Carvalho explicita que o trabalho com os conhecimentos vincula-se aos componentes e processos da natureza e à compreensão das complexas interações estabelecidas entre o homem e a natureza. A dimensão valorativa, por sua vez, corresponde à tentativa de compreender e buscar novos padrões coletivos de relação sociedade-natureza. E a terceira dimensão, por fim, está atrelada ao desenvolvimento da capacidade de participação política do indivíduo rumo à construção da cidadania e da democracia. Esse mesmo autor destaca ainda a necessidade de articulação entre essas três dimensões, ressaltando que educação ambiental deve ser uma prática intencionalizada e coerente com o nível da ação, sob o risco de não passar de uma “aventura” inconsequente.

Partindo dessa proposta de educação ambiental, algumas constatações e questionamentos começaram a me inquietar, despontando possibilidades e limites postos ao trabalho do biólogo educador com a temática ambiental. O biólogo, comumente, é reconhecido por respeitar e valorizar o meio ambiente, sendo que, durante sua formação, esse profissional entra em contato com uma série de conhecimentos específicos relacionados às dinâmicas ambientais. De fato, essa constatação pode ser compreendida como facilitadora e motivadora do desenvolvimento de trabalhos que lidam com a temática ambiental pelo profissional biólogo.

Porém, dada a complexidade característica das questões ambientais é possível entender que ao restringir seu trabalho apenas aos conhecimentos específicos da sua área de formação, o biólogo falha como educador ambiental. Isto porque, não estará auxiliando seus alunos a compreenderem o contexto sócio-cultural, político e econômico, no qual estamos todos inseridos e no qual devemos atuar de modo não ingênuo, isto é, a partir do reconhecimento das nossas possibilidades/necessidades de atuação, bem como das limitações que nos são dadas. Nem tão pouco, estará abarcando o trabalho com os valores dentro deste contexto histórico. Ressaltando que apenas conhecer não implica em valorizar o que se conhece e nem em adotar posturas individuais e coletivas desejáveis. Portanto, o educador deve abranger essas dimensões, pois não podemos esperar que os estudantes e a população consigam articular solitariamente essas questões.

Assim, o biólogo que propõe trabalhar com questões ambientais partindo dessa perspectiva de educação ambiental, logo, identificará a necessidade de aprofundar seus conhecimentos em outras áreas das ciências, em especial das Ciências Humanas. Não desvalorizo aqui, os conhecimentos específicos das ciências biológicas, muito pelo contrário, mas sim, destaco a importância de uma formação mais ampla desse profissional, de modo a desenvolver uma visão mais crítica do contexto histórico em que vivemos e saber lidar com as dimensões participativa e valorativa nos espaços de formação.

É neste ponto que algumas limitações são identificadas, como por exemplo, o número reduzido ou mesmo a ausência de disciplinas que permitam focar e discutir mais aprofundadamente esse contexto e a especialização que, por muitas vezes, se inicia ainda na etapa de graduação, colocando em segundo plano a busca por uma visão de mundo ou formação mais abrangente.

De fato, cabe agora um exercício de reconhecimento das possibilidades existentes em meio a essas barreiras constatadas. Na universidade existem alguns espaços que viabilizam uma formação mais ampla dos graduandos, como os projetos de extensão e os grupos de estudos. Estes consistem em valiosos momentos de discussão de referenciais teóricos e de opiniões, de trocas de experiências múltiplas e de fortalecimento dos grupos. Cumpre aqui frisar a importância desses espaços como um meio de superação do, já criticado, paradigma vigente e, é claro, incentivar você leitor a se aproximar dessas possibilidades.

Além dessas oportunidades já existentes, convém assinalar a necessidade de uma luta coletiva pela criação de outras novas, como (mini) cursos, oficinas, eventos e disciplinas da graduação que se comprometam com essas questões. Para sinalizar que essa proposta não é tão distante quanto possa parecer, relatarei duas experiências. Uma delas está se passando no campus da Escola de Artes, Ciências e Humanidades -EACH/USP, onde na grade curricular de todos os cursos aparecem as disciplinas “ Sociedade, Multiculturalismo e Direitos” e “Sociedade, Meio Ambiente e Cidadania” como obrigatórias, as quais, em suma, colocam em foco questões sociais, culturais, políticas e econômicas para os mais diferentes profissionais em formação.

A outra experiência que merece destaque refere-se às Práticas como Componentes Curriculares (PCCs), que integram a nova grade curricular do curso de Ciências Biológicas do campus da UNESP de Rio Claro. As PCCs consistem em seminários de integração, sendo que as quatro primeiras são obrigatórias tanto para o bacharelado quanto para licenciatura e as demais apenas para os licenciandos. Na Proposta Curricular do curso Ciências Biológicas, essas atividades são previstas “como um espaço privilegiado de reflexão nas e sobre as experiências práticas vividas pelos alunos durante todo o Curso de Ciências Biológicas. Essa perspectiva abre possibilidades para que o futuro profissional compreenda as múltiplas dimensões da realidade na qual deverá intervir, como biólogo e/ou como professor de ciências e biologia”.

De fato, as PCCs não são restritas a este curso, estando previstas para acontecer em todos os cursos de licenciatura, atendendo às atuais Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores em nosso país. Destaco aqui a experiência das PCCs 5 a 8 do curso de Ciências Biológicas, as quais estão estruturadas de modo a possibilitar que os licenciandos aproximem-se de questões investigativas na área da educação, inclusive aquelas relativas à temática ambiental, consistindo, assim, em um outro espaço privilegiado de formação mais ampla do biólogo.

Glaucia de Medeiros Dias – 5º ano de Ciências Biológicas







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